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Disputa de pênaltis entre Brasil e Itália que decidiu a Copa do Mundo de 1994 |
No momento em que uma ideologia predomina
e passa a formar a estrutura do homem, ela se torna uma força material e
social. Não há processo socioeconômico de significado histórico que não se
baseie na estrutura psíquica das massas e que não se manifeste no modo de
comportamento delas (Reich, Wilhelm, 1935). Assim, não podemos pensar no
indivíduo e na sociedade de forma separada; eles funcionam como uma unidade e ao
mesmo tempo condicionam um ao outro.
No texto anterior, falamos da necessidade da
liberdade e da busca individual. Porém, mesmo durante este processo, a educação que recebemos e as relações socioeconômicas que estamos inseridos se manifestam na forma que interagimos com o mundo. Mesmo em atividades como a dança e o esporte, que envolvem um alto nível de transcendência (checar texto de apresentação), ainda é possível
identificar no movimento elementos próprios da cultura. Essa ideia pode ser
identificada claramente na forma que o futebol é praticado pelo mundo a fora.
Por mais que durante a execução, o
indivíduo consiga deixar de lado as distrações, pressões sociais, medos e
inseguranças, a sua bagagem cultural se expressará em seu movimento. Por isso o
futebol é tão interessante; cada cultura tem sua forma de jogar e de entender o
jogo. O Brasil é talvez o melhor exemplo, pois “não há como negar que o jeito brasileiro de jogar tem ligação direta
com o jeito que se faz samba” (Beto Xavier). Gilberto Freyre descreve como
a cultura brasileira influenciou a forma que jogamos o futebol:
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Chico Buarque e Bob Marley em partida de futebol |
Em seu livro ‘Veneno Remédio’,
José Miguel Wisnik aborda as questões políticas, socioeconômicas e
comportamentais em torno do futebol. A passagem abaixo (p.155) fala como a
classe social influencia a forma de entender e pensar o jogo:
“Chico Buarque deu um alcance
revelador á oposição entre 'os donos da bola' e os 'donos do campo', que
constitui uma espécie de embate interno ao próprio jogo e abre a porta à sua
assimilação diferenciada pelas culturas do mundo. Observando uma partida entre
garotos europeus e filhos de imigrantes em Paris, 1998, disse que os 'ricos' tendem a se comportar desde a infância como donos do campo, privilegiando o
controle da bola em função da ocupação organizada do território; já os 'pobres' se aproveitam, no futebol, da oportunidade de se adestrar o mais possível na
intimidade com a bola (desenvolvendo no jogo aquela perícia que conhecemos, dolorosamente esplêndida e desperdiçada no espetáculo fugaz dos 'malabaristas do sinal vermelho'). Uns são equilibrados, outros são equilibristas. 'Os pobres são os folgados, os esbanjadores,
os exibicionistas, matam a bola no peito, a bola gruda ali que nem uma goma
[...]. De fato controlam, protegem, escondem, carregam a bola para cima e para
baixo, e em vez de intimidade, talvez tenham ciúmes dela'. Já os ricos 'recebem
a bola e um-dois, tocam, recebem, desprendem-se dela, correm soltos por toda
parte. Parecem conhecer e ocupar melhor o espaço de jogo, podendo se dizer que
têm intimidade com o campo. Assim, quando se enfrentam países ricos e países
pobres, estão se enfrentando os donos do campo e os donos da bola'".
Portanto, o momento de alta concentração e absorção no movimento não é uma negação da cultura e sociedade, mas, sim um desprendimento da identificação com limitações – conceitos, rótulos, imagens, palavras, julgamentos e definições - que impedem todo nosso potencial seja externalizado. No momento de criação pura e espontânea do atleta ou artista, a cultura se fará presente em seu movimento.
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